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Mãe D'Água |
Você já ouviu falar na história da mãe d’água? Pois bem, se fosse para fazer uma série de terror para streaming, as histórias do Nordeste seriam um prato cheio. Essa história era assustadora nos anos 2000, e quem mora no interior do Nordeste provavelmente já ouviu falar dela. O lance é o seguinte: nos sítios e fazendas do Nordeste, há muitos açudes (lagos) usados para plantio, consumo próprio, para os animais — enfim, eles servem para várias finalidades, dependendo da região. Os mais velhos diziam que nesses açudes vivia um ser sinistro chamada mãe d’água. Provavelmente, contavam isso para que os jovens não entrassem para tomar banho e corressem o risco de se afogar. Os afogamentos não eram muito frequentes — eu diria até que eram raros —, mas, quando se é jovem, há aquela curiosidade de explorar o ambiente em que vivemos.
Quando alguém se afogava em um desses açudes, os boatos
diziam que a pessoa tinha sido puxada para o fundo pela mãe d’água. Isso
causava um certo pânico, a ponto de as pessoas evitarem até mesmo se aproximar
dos açudes. Quem não sabia nadar era praticamente proibido de ficar perto
sozinho, sem o acompanhamento de um adulto, por causa do risco de cair e se
afogar. Quando fiquei mais velho e aprendi a nadar, comecei a me aventurar
nesses açudes e ficava pensando se a mãe d’água viria me puxar para o fundo.
Evitava tomar banho sozinho, com medo de que esse espírito raivoso fizesse o
mesmo comigo. Mas, com o tempo, percebi que não havia espírito nenhum ali. Um
dia, ao tentar sair do açude após o banho, senti uma força me puxando para o
fundo. Não era, porém, a sensação de um espírito maligno presente; era porque o
açude tinha uma curvatura, e o chão, de barro, era bastante escorregadio.
Então, quando eu tentava sair e escorregava, parecia que meu corpo era puxado
de volta. Na hora, ficava imaginando se aquilo era a mãe d’água. Mas, como eu
já sabia nadar, quando fui puxado para trás, apenas deixei meu corpo boiar e
nadei para a frente. Foi um susto temporário, mas entendi que, se fosse um
jovem que não soubesse nadar e estivesse perto das águas mais fundas, ele
poderia escorregar, ser puxado para o fundo e acabar morrendo — o que ajudava a
manter a lenda da mãe d’água viva por mais tempo.
A lenda da mãe d’água, aliás, não é exclusividade do
interior do Nordeste; ela tem raízes profundas no folclore brasileiro e varia
de região para região. Alguns dizem que ela é uma espécie de guardiã das águas,
uma mulher de beleza hipnotizante que canta para atrair os mais curiosos — ou
imprudentes — para o fundo dos rios e açudes. No Norte, ela às vezes é confundida
com a Iara, uma sereia indígena que encanta pescadores e os leva para seu reino
subaquático. Já no Nordeste, onde os açudes são tão comuns, a mãe d’água ganhou
essa fama mais sombria, como um espírito vingativo que pune quem ousa invadir
seu território. Os mais velhos contavam que ela podia aparecer como uma figura
assustadora ou até se esconder nas correntezas e no lodo, esperando o momento
de agir. Seja como for, a história parece ter nascido tanto do respeito pela
força da natureza quanto do medo do desconhecido, algo que fazia todo sentido
numa época em que poucos sabiam nadar e os perigos das águas eram reais. No meu
caso, o que senti naquele dia no açude foi só o barro e a física me pregando
uma peça, mas entendo como essas histórias ganhavam vida na imaginação de quem
ouvia.
Depois que muitas pessoas aprenderam a nadar, essa lenda foi
desaparecendo, assim como tantas outras que são contadas por lá.
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